quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Onde ir quando apetece fumar um cigarro, dentro de portas, em Lisboa?

06.01.2008, Sara Capelo, Jornal Público
Conheça alguns cafés, restaurantes, bares e discotecas da capital onde fumar ainda é um prazer. Nestes, o espaço definido para fumadores é, como a lei prevê, muito menor
Iniciar o dia tomando um café na pastelaria do bairro, onde sempre puderam ler o jornal acompanhados por um cigarro. Fumar no fim do almoço diário com os colegas de trabalho ou numa saída à noite. Estes são prazeres que os lisboetas fumadores sentem ter perdido com a Lei do Tabaco, depois de a maioria dos proprietários de pastelarias, restaurantes, bares e discotecas terem optado por estabelecimentos sem fumo. Daí que os clientes do restaurante Páteo, próximo do Poço do Bispo, fiquem espantados quando, à entrada, o empregado lhes pergunta: "Fumadores ou não fumadores". On-tem, a maioria - incluindo alguns fumadores, que se denunciavam pelos maços em cima das mesas - optava pelo espaço definido como sem fumo. Sete pessoas ocupavam o outro. Entre eles, um grupo de cinco amigos: dois fumadores e dois ex-fumadores. Não foram precisas obras para cumprir as exigências da lei: o restaurante estava naturalmente dividido em duas áreas desiguais, os sistemas de extracção, insuflação e climatização já existiam. Mesmo assim, o proprietário, Pedro Fonseca, não sabe se manterá as duas zonas: "Se continuar a ver que a área para fumadores é um desperdício, posso passar tudo a não fumadores". O que tem acontecido, diz, é que as pessoas que não fumam ocupam aquela área, quando a sala maior está cheia. À semelhança do Páteo, a maioria dos restaurantes onde fumar é permitido optou pela criação de dois espaços. É o caso do Mercado do Peixe, no Caramão da Ajuda, do Gambrinus, na Rua das Portas de Santo Antão, do Pabe, na Rua do Duque de Palmela, do Café de São Bento, em frente à Assembleia da República, e da Cervejaria Portugália, na Avenida do Almirante Reis e no Cais do Sodré. O mesmo fizeram os sócios da pas-telaria Olá, Bom Dia, em Picoas. Éaí que Ana Sofia Bernardeco, de 17 anos, e Maria Inês Duarte, de 16, se refugiam agora. As duas estudantes tiveram "grandes dificuldades" para descobrir um café onde pudessem matar o vício enquanto conversam. Às 10h30 de sexta-feira, são as únicas clientes na zona de fumadores, que já estava definida desde a abertura do café há dois anos."Por mim, pode-se fumar"Para quase todos os estabelecimentos, estes primeiros dias de adaptação têm corrido bem. Ainda assim, Alexandra Coelho, do Piazza di Mare, considera que o fumador está a ser penalizado: porque a sua área "é muito inferior e devia ser 50/50." A área do restaurante da Avenida de Brasília, junto ao Tejo, permitirá aos seus responsáveis ponderarem "o alargamento da área de fumadores caso se registem muitas queixas", explica Alexandra Coelho.Sair à noite também pode ser um problema. Alguns bares e discotecas, como o Bar do Bairro, no Bairro Alto, o Sabor a Brasil, no Parque das Na-ções, e o Lux, próximo da Santa Apolónia, criaram áreas próprias para fumadores. Outros excluíram o fumo. Ainda é cedo para avaliar as consequências, mas, para Pedro Fradique, da discoteca Lux, depois do período de adaptação, "fumadores e não fumadores vão ficar satisfeitos". Aqui, só se pode fumar em 30 por cento do espaço e nas varandas e terraços exteriores. Para informar os clientes, criaram flyers distribuídos aos clientes na entrada e plantas dispostas em diferentes locais do edifício. O gerente do Snob, Albino Oliveira, diz que ainda não fez as obras ne-cessárias, mas garante que estão pa-ra breve. Os dísticos exigidos pela Aresp já estão à vista de todos. "Por mim, pode-se fumar. Isto é um bar e eu não posso correr com as pessoas", diz o gerente. "Tenho que optar pelo bem dos clientes - muitos são jornalistas - que chegam às 21 horas, ficam à espera de alguém e depois só saem às duas horas".

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

hoje - LUIZ PACHECO - porque morreu e porque me apeteceu...

Já era livre muito antes da liberdade do 25 de Abril. Foi livre na cama-jangada de Comunidade, onde chegaram a ser cinco corpos enroscados. Luiz Pacheco respirava com todos esses pulmões. Foi o primeiro escritor da sua própria vida e o primeiro editor de muitos grandes. O P2 falou com figuras que se atravessaram no seu percurso. Nas páginas seguintes, textos de Vítor Silva Tavares e Rui Zink. Por Alexandra Lucas Coelho.
Só uma "amiga à séria" dirá de Luiz Pacheco o que diz a actriz Lia Gama: "Mas ele na realidade já estava morto. Não podia escrever, não podia ler. Que vá com os anjos." Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco, primeiro editor de grandes autores portugueses e primeiro escritor da sua própria vida, morreu no sábado à noite, aos 82 anos, entre a casa de um filho e o Hospital do Montijo. Segundo a família, a morte aconteceu na sequência de um estado de debilitação geral. No último ano, Luiz Pacheco vivera no Montijo, primeiro em casa desse seu filho, João Miguel, depois num lar, e nos últimos dias de novo em casa do filho. O corpo fica em câmara ardente na Basílica da Estrela a partir das 18h de hoje, e amanhã, após uma missa - a pedido de uma filha -, segue, às 18h45, para o Cemitério do Alto de São João, onde será cremado.Era asmático desde criança - chegou a dizer numa entrevista que pensara não passar dos 21 anos -, e foi internado mais do que uma vez para curas de desintoxicação alcoólica. Mas, diz Lia Gama, pareceu sempre ter "muita saúde". Lisboeta da Estefânia, Luiz Pacheco nasceu a 7 de Maio de 1925 numa família sem grandes meios. Nas suas palavras, o pai era "um teso", um funcionário público que devia às criadas e à mercearia. Pacheco, futuro libertino, contou várias vezes que se estreou sexualmente "com uma puta de vinte escudos" da Mouraria que ao mesmo tempo comia uma maçã. Antes terá sido molestado sexualmente por um homem. Aos 18 anos dormia com uma rapariga de 14, o que lhe valeu acusação de estupro e resultou em casamento (veio a ter três filhos da primeira mulher, dois de uma segunda, três de uma terceira). Passou pela Faculdade de Letras, Filogia Românica, onde terá sido bom aluno, antes de desistir. Empregou-se como agente fiscal da Inspecção Geral de Espectáculos, mas por pouco tempo. Começou a escrever em jornais e revistas, da Seara Nova ao Diário Popular, e em 1950 fundou a editora Contraponto, onde publicou, apesar da censura, aquilo de que gostava e em que acreditou, em muitos casos como um visionário. O Amor em Visita de Herberto Helder", como O Manual de Prestidigitação, A Pena Capital ou Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano, de Mário Cesariny. Ou Natália Correia, Raul Leal, António Maria Lisboa e vários outros surrealistas. João Gaspar Simões chamou-lhe "sacristão do surrealismo". Ele preferia dizer-se "neo-abjeccionista".Anarca de natureza e comportamento, fez-se militante do PCP, de falar em querer bandeira no caixão e ter quotas em dias. "Eu já era muito livre antes da liberdade do 25 de Abril", disse uma vez.Já depois dos 70, andava com um frasquinho de comprimidos de nitroglicerina no bolso. Se o suicídio o assaltasse, era só tomar. Teve sempre tão pouco dinheiro que chegou a andar vestido de jornais debaixo da gabardine para aquecer. E calça curta a deixar ver tornozelos esqueléticos. Viveu de colaborações, dos livros que fazia, passou a ter um subsídio do Estado, por intermédio de António Alçada Baptista, e recebeu apoios de mecenas amigos, como Mário Soares."Volta e meia eu ia levar dinheiro ao Pacheco, quando ele tinha dificuldades, precisava de mudar de óculos ou outra coisa", conta José Manuel dos Santos, então assessor de Soares. "Tinha que ser em notas, porque ele não sabia ir a bancos." Pacheco, diz, era não só um homem de uma cultura solidíssima como muito actualizado. "Essa face revela-se menos, porque ele fazia aquelas coisas provocatórias. Mas tanto tinha lido o Padre AntónioVieira como o Roland Barthes."Tal como podia dizer mal de Mário Cesariny mas "tinha uma grande admiração por ele", apenas "achou que o Cesariny se tinha integrado excessivamente nas normas".Uma das obras-primas de Luiz Pacheco, o conto Comunidade é dedicada a Cesariny, "poeta do corpo". E recentemente, no primeiro aniversário da morte do poeta, Pacheco e Cruzeiro Seixas reuniram-se para fazer uma edição especial desse livro, o da cama-jangada, ele, mulher e filhos ("Somos cinco numa cama. Para a cabeceira, eu, a rapariga, o bebé de dias; para os pés, o miúdo e a miúda mais pequena. Toco com o pé numa rosca de carne meiga e macia.")"O Pacheco fazia e desfazia em relação aos outros e a si próprio", nota José Manuel dos Santos. "Não levava às últimas consequências a encenação do seu mito. Nas entrevistas desfazia tudo. Percebia que havia o perigo de assumir uma espécie de estátua de transgressor da literatura. Tinha esse sentido satírico em relação a si próprio. Era o seu impulso natural. Não fazia atitude."Por exemplo, aponta, em O Libertino Passeia Por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor, um dos textos mais conhecidos de Pacheco, "é o engatatão mas também engata um magala, até nisso há um desfazer da linha libertina de Sade e Casanova".Aliás, em O Libertino... o que é que restava?, perguntava o próprio Pacheco. Uma masturbação. Era o fim. A sós ou acompanhado, como em O Teodolito - que Pacheco considerava o seu melhor texto - um livro que termina com Umbelina a "bater-lhe a punheta" "como se embalasse um filho" ou "desse o último aperto de mão, pela última vez se despedisse de um condenado".A cama-jangadaA Luiz Pacheco, para Casanova e Sade faltaram-lhe títulos, farpelas - possivelmente, sobretudo, a natureza. Era um vagabundo chaplinesco arraçado de libertino, a celebrar o corpo chamando as coisas sempre pelos nomes, num primoroso português de quem leu muito e bem, com a desfaçatez de um fura-vidas. Quis ser marinheiro mas nunca aprendeu a nadar, contava, rindo de si próprio, ou de nós, ou talvez não. Foi levar o então grande amigo José Cardoso Pires ao cais e ficou a ver navios. O seu barco foi a cama-jangada, a da Comunidade ("A cama é larga, de madeira, alta, gingona, parece uma jangada. Eu comparo-a a uma jangada, onde vamos nós cinco, cercados de noite, de ventos, de ondas caprichosas, perigos desconhecidos. É uma imagem literária esta, a da cama-jangada: a literatura, a quem muito, sofregamente lê, dá isto: comparações para tudo, referências imprevistas, casos, tipos, situações paralelas que já houve ou foram inventadas, uma outra vida ou realidade como a nossa, de todos os dias e que se infiltra no sangue, ferve na memória sem que a gente dê por isso. Não ajuda a viver, é certo, porque nada ajuda a viver, antes a figurar-se. Permite, talvez, uma certa coerência [interior]. Não é importante, afinal - mas que será importante, afinal?").Fez os seus livros e os dos outros. Editor, antes de escritor, se quis, em entrevistas.Há assim vários Luizes no Luiz que deu à cultura portuguesa 82 anos soltos de convenção.O alfarrabista Luís Gomes conheceu-o há uns 15 anos, através de Ricarte-Dácio de Sousa, um surrealista que se suicidou nos anos 90. "Ficámos muito próximos depois da morte do Dácio." Luiz Pacheco passava muito pela livraria e dele Luís Gomes guarda sobretudo o olhar, "apesar daquela grossura de lentes", isto num homem muito míope, para o fim quase cego, que nunca quis experimentar o laser por medo. "Aquela libertinagem toda à volta do Luiz, ele no fundo não era bem assim, era um homem afável, tinha sentimentos. Fazendo os devidos descontos, não tendo que estar a fazer a sua personagem, não tendo uma audiência, o Luiz era um gentleman. Nessas conversas mostrava delicadeza. Um dos nossos temas era o Dácio. E ele falava dele com uma ternura e uma elevação que não se compadece com aquelas coisas que escrevia. Era um tipo doce."Depois, há o Luiz escritor que "punha muito bem toda a sua vida em papel como nunca se fez em Portugal", o Luiz leitor com uma "cultura fantástica", e o Luiz editor "vastíssimo, que publicou tudo o que hoje são grandes autores e que na altura só ele percebeu".Entrevistas em breveAinda este mês deverá sair na Tinta da China um volume com entrevistas de Luiz Pacheco organizado por João Pedro George, que também está a preparar uma biografia, para apresentar como tese de doutoramento. "É uma experiência de vida incomum, muito longe das convenções sociais. O maior biógrafo dele é ele. Aquilo que vivia era para escrever."Entre o que viveu estão os seus amores com raparigas tão novas, como a sua primeira mulher de 14 anos, à luz de hoje, demasiado novas. Ontem, no site do Público, um leitor escrevia que "branquear a sua promoção da pedofilia é desonesto". João Pedro George ressalva que "algumas partes da sua vida hoje seriam passíveis de serem consideradas crime, mas tem que haver uma contextualização no tempo"."As miúdas eram mais adultas do que eu, não havia pedofilia nenhuma", respondeu uma vez Luiz Pacheco numa entrevista, e repetiu o mesmo noutras.Além disso, lembrava, "o libertino tem regras". Por exemplo, não se mete com a mulher do amigo.Cândido Ferreira, que encenou Comunidade, conheceu-o nos anos 60, quando ele vivia numa cave na Estefânia. Conta que Pacheco nunca quis ver um ensaio da peça e nem foi à estreia. "Tinha medo. Mas apareceu no segundo dia e adorou. Depois foi várias vezes, levando amigos." Anabela Almeia, que fez o guião de Mais um dia de noite, documentário sobre Luiz Pacheco, ontem reexibido na RTP, diz que ele nunca o quis ver, nem depois de concluído, quando ficaram próximos e ela lhe levava DVD, nas visitas. "Tinha medo de se emocionar."Lia Gama, "companheira de muitas histórias que metem muita bebezana, muito tintol e bejecas", conheceu-o por carta, estando ela em Paris e sendo ele amigo de um amigo dela. "Escrevia-nos a pedir roupa e latas de conserva para as crianças da Comunidade". Os filhos.Foi ela quem lhe levou cadernos de capa dura da Papelaria Emílio Braga. "Quando o Vítor Silva Tavares lhe editou o Libertino, eram 500 exemplares assinados pelo autor, e eu e o Vítor fomos com os caixotes ao Hospital de Santa Marta, onde ele estava por causa dos pulmões. Queixou-se que tinha dificuldade porque o papel dobrava-se nos joelhos quando tentava escrever. Então passei pela Emílio Braga e vi aquelas cadernos de contas encadernados e levei-lhe dois. Segundo ele, foi aí que começou a escrever os diários."Estava Lia Gama a fazer As Lágrimas Amargas de Petra von Kant no Teatro da Graça e ele disse-lhe que a ia ver. Ela não acreditou. "Um dia cheguei e tinha lá um enorme ramo de cravos. Ele foi mesmo, mas chateou-se e saiu a meio."Libertino ou libertário? "Libertino, libertário e anarca, mas sobretudo um homem de cultura, de inteligência, irreverência, contestário e que faz muita falta à cultura. Não se esqueçam que foi ele o primeiro editor do que não se podia editar naquelas anos 50 terríveis."Lia Gama estranha a basílica e a missa. "Não tenho nenhum intreresse em ir ao funeral, porque nem ele nem eu gostávamos de folclore. A basílica, para ele é igual, mas eu acho que estaria melhor no Palácio Galveias. Mas vou à basílica dizer-lhe adeus."Em Comunidade, Pacheco escreve: "Mas a minha força é grande. Respiro ao mesmo tempo por cinco pulmões: quatro corações jovens (certeiros e cheios) com muitos anos de corda para badalar, batem ao lado do meu e dão-lhe ânimo e companhia, eia! sus! avante! Para mais uma jornada." E a seguir: "Somos puros. Sabemos e cumprimos. Bem-aventurados somos e vós, também. Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis, se as praticardes." E em Teodolito: "Escrevo como um profissional, à linha, as palavras pouco importam, são ambíguas e inúteis. As palavras não somos nós. E tu, leitor, és um pretexto: testemunha, confidente, cúmplice, vítima ou juiz, jamais nos conheceremos, jamais saberás quem sou, onde te minto, onde chorei, onde nos podíamos ambos rir a bom rir da nossa pavorosa condição de gente morta ou gente que vai morrer." Aquele ponto em que a vida se solta da morte.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A GEOMETRIA DO A4

Após alguns momentos de discussão "saudável" sobre o porquê da medida das folhas A4 utilizadas por todos nós no nosso dia a dia, aqui fica um pequeno esclarecimento, que pode ser útil para todos nós... quem sabe numa proxima discussão.
Aqui fica a explicação do porquê da Geometria do A4...
O formato do papel que utilizamos nas fotocopiadoras e impressoras, e que se generalizou a cartas e blocos, tem uma designação curiosa: chamamos-lhe A4, um formato utilizado em quase todo o Mundo. As folhas medem 210 milímetros de largura e 297 de altura. Uma medida estranha, pois parecia mais lógico que medissem um número redondo. Por que não 20 e 30 centímetros, por exemplo?
Essas medidas bizarras resultam de uma convenção muito pensada, que o nosso país adoptou em 1954, ainda no sistema alemão DIN (Deutsches Institut für Normung e.V.). Formalizaram-se depois na norma ISO 216 da International Organization for Standardization. Segundo essa norma, há uma série de formatos básicos de papel que começa no A0, o maior, decresce para o A1, o A2, o A3..., parando, na prática, no minúsculo A10, de 26 por 37 milímetros. Todos esses formatos são construídos de forma a obter o formato de número superior dobrando ao meio uma folha. Isso quer dizer, por exemplo, que dobrando o A0 se obtém o A1, e que dobrando o A4 se obtém o A5. Mas há na norma muito mais do que isso. Os formatos estão construídos de forma a manter sempre a mesma proporção entre os lados do papel. As dimensões são arredondadas ao milímetro, o que fornece uma aproximação bastante razoável.
A regra é muito prática, sobretudo nas fotocópias. Colocando lado a lado duas folhas A4 e escolhendo o modo de redução, é possível que cada das folhas originais seja fotocopiada precisamente para metade da folha A4 resultante. É fácil ver que nem todos os formatos permitiriam a mesma proeza. Se as folhas originais fossem quadradas, por exemplo, e quiséssemos fotocopiar duas, com redução, para outra folha quadrada, teríamos de desperdiçar metade da folha da cópia. No A4, como a proporção se mantém quando dobramos a folha a meio, não há desperdícios.
Que formato têm que ter as folhas para manterem as proporções quando as dividimos ao meio? Basta fazer umas contas simples para o descobrir. Os lados do rectângulo têm de estar na proporção de um para raiz de dois (aproximadamente 1,4142). Não há outra solução. Faça o leitor as contas e verá que 210 x 1,4142 = 296,982, praticamente 297. Encontrámos as proporções do A4.
Tudo isto obedece a uma lógica perfeita, mas é preciso definir o ponto de partida. Como é construído o A0? Curiosamente, também este não é arbitrário. Foi definido com lados na proporção de um para raiz de dois, como teria de ser, mas acrescentou-se-lhe a restrição de ter área equivalente a um metro quadrado. Com isto, o sistema ficou perfeitamente definido. Por sorte, daí resultou um A4 que tem um formato ideal para os trabalhos de escritório.Para calcular o peso de uma resma de papel, por exemplo, estas normas facilitam as contas. O peso, a «gramagem», como dizem os profissionais, vem referido ao metro quadrado. É habitual usar, por exemplo, o papel de 75 gramas por metro quadrado. Quer isso dizer que uma folha A0 desse papel pesa 75 g. Como no A0 existem 16 A4, basta fazer umas contas simples para verificar que uma resma (500 folhas) de A4 pesa 2343,75 gramas.
O sistema definido pela norma ISO 216 tem ainda duas outras séries de formatos. É a série B, destinada a envelopes contendo documentos com folhas da série A, e a série C, destinada a envelopes ligeiramente menores, que podem conter menos folhas. Assim, por exemplo, se o leitor quiser um envelope para enviar uma brochura A4, deve usar um envelope B4 (250x353). Se quiser enviar um pequeno documento A4, deve adquirir um envelope C4 (229x324). Assim saibam os vendedores o que estão a vender.
Mas nem as dimensões exactas dos envelopes escapam à lógica matemática. Para definir o sistema B, usa-se a média geométrica entre dois formatos A consecutivos. Assim, por exemplo, para definir o envelope B4, calcula-se a média geométrica entre as dimensões do papel A4 e as do A3. Para definir o formato C usa-se um processo semelhante. O envelope C4, por exemplo, define-se pela média geométrica entre os formatos A4 e B4.
A média geométrica é uma média, diria La Palisse, dando pois dimensões intermédias entre os valores extremos. Mas é uma média peculiar. Obtém-se tirando a raiz ao produtos dos dois valores. Por isso mantém as proporções relativas. Assim, B4 está para A4 tal como A3 está para B4.
Todo este sistema complexo evoluiu ao longo dos séculos, vindo-se a impor em quase todo o Mundo. Ao que se julga, a primeira pessoa a ter a ideia de normalizar o papel com regras semelhantes foi um professor de Física alemão chamado Georg Christoph Lichtenberg (1742-1799). Numa carta que escreveu em 1786 ao seu amigo Johann Beckmann, discorreu sobre as vantagens estéticas e práticas de utilizar papel em que os lados estivessem na proporção de um para raiz de dois. Sobre as vantagens práticas estava mais que certo, mas sobre as estéticas é duvidoso. Os técnicos gráficos sabem que estas séries não são esteticamente aconselháveis para cartazes ou magazines. Nem os «posters» que se vêem pela rua nem as revistas do EXPRESSO utilizam os formatos da norma ISO 216. Essa é uma das razões que levam os norte-americanos a não abandonarem o formato «letter», que utilizam há muitos anos e que mede 8 por 11 polegadas (aproximadamente 216 x 279 mm).
As vantagens práticas do método de Lichtenberg, contudo, são tão evidentes que o governo francês decidiu adoptá-lo logo após ter instituído o metro. Em 1794, a «Loi sur le Timbre» definiu vários formatos que correspondem à actual norma ISO. Instituiu o «grand registre» (actual A2), o «grand papier» (B3), o «moyen papier» (A3), o «petit papier» (B4), a «demi feuille» (B5) e o «effets de commerce» (1/2 B5). Só faltava o A4.
A norma ISO é hoje adoptada em quase todo o Mundo. Quando pegar num A4, leitor, lembre-se que está a pegar numa peça com uma história matemática distinta.